ESG: Oportunidade ou ameaça para as PMEs?
A integração de práticas ESG (Enviromental, Social and Governance) deixou de ser uma tendência exclusiva das grandes corporações para se tornar uma oportunidade estratégica também para as pequenas e médias empresas (PMEs).
Para esse segmento de negócios, com recursos e estruturas mais enxutas, a abordagem ESG representa uma ameaça que impõe novas obrigações regulatórias, com investimento de tempo e dinheiro ou uma oportunidade real de crescimento e diferenciação? A resposta é que ESG é, principalmente, uma oportunidade, que pode se transformar em uma ameaça, caso seja ignorado.
Índice
1. Introdução
O acrônimo ESG (Enviromental, Social and Governance), em português “Ambiental, Social e Governação”, emergiu como um importante marco na evolução do pensamento sustentável e está no centro do diálogo global sobre governação corporativa, gestão e investimento. Nos últimos anos, ESG vem se consolidando como uma tendência sólida e um paradigma fundamental para a gestão empresarial responsável.
É uma estrutura e um conjunto de critérios de desempenho usados por organizações, investidores e formuladores de políticas para avaliar e gerenciar a sustentabilidade e o impacto ético das operações de uma empresa na sociedade e no meio ambiente.
Por meio desse conjunto de critérios de desempenho, uma empresa pode comunicar seu impacto ou dependências no meio ambiente (por exemplo, emissões de carbono, uso de recursos naturais, geração e descarte resíduos, etc), na sociedade (por exemplo, diversidade, direitos humanos, políticas salariais entre gêneros, segurança e bem-estar dos colaboradores), ao mesmo tempo em que demonstra como assume a responsabilidade pela sua governação, gestão eficiente e eficaz de oportunidades e riscos (por exemplo, composição do conselho, remuneração e bônus de executivos, conformidade regulatória).
Os critérios ESG visam fornecer uma lente abrangente por meio da qual se pode avaliar o desempenho financeiro de longo prazo, os riscos e as oportunidades de uma empresa, indo além das métricas financeiras tradicionais, que olham o passado, para abranger considerações de um ecossistema mais amplo, que olha para o futuro.
Embora ESG seja uma tendência, muitas Pequenas e Médias Empresas (PMEs) têm visto essa abordagem com algum receio. Essa desconfiança geralmente ocorre por algumas das seguintes razões: 1. desconhecimento do conceito e crenças que envolvem práticas burocráticas; 2. complexidade regulatória e /ou normativa que parecem difíceis de implementar e acompanhar; 3. ausência de estruturas, recursos e tempo para dedicar às práticas ESG.
2. O que é a ESG e porque que importa para as PMEs
O impulso inicial do ESG surgiu num discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 1999, no qual Kofi Annan propôs um “Pacto Global”, convocando diretamente os líderes empresariais a se juntarem à ONU na promoção de princípios que forneceriam a base para uma economia global sustentável. O Secretário-Geral da ONU apelou às empresas e associações empresariais para que adotassem, apoiassem e promulgassem um conjunto de valores fundamentais nas áreas de direitos humanos, ética, normas trabalhistas e práticas ambientais.
O Pacto Global entrou em operação em 2000, apoiado por diversas agências da ONU e organizações não governamentais transnacionais, com dez princípios sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Em 2004, numa nova iniciativa que incluiu CEOs de 55 principais instituições financeiras mundiais, surgiu o relatório Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World). O propósito desse documento era criar uma agenda global que representasse um conjunto de prioridades e compromissos corporativos focados na sustentabilidade, mudando a lógica de maximização do lucro para a maximização de valor.
O relatório Who Cares Wins (Figura 1) consolidou o termo ESG, trazendo recomendações, sobre como integrar melhor as questões ambientais, sociais e de governação corporativa na gestão de ativos, serviços de corretagem de valores mobiliários e funções associadas.
Figura 1 – Quem se importa, vence.
No relatório, ESG foi abordado através de três pilares, que são combinados, interdependentes e se complementam. Esses pilares, desde então, vem sendo reconhecidos e traduzidos em fatores por diversos Standards, a exemplo da Sustainability Accounting Standards Board (SASB) e da International Organization for Standardization (ISO). A figura 2 apresenta um resumo de cada pilar.
Figura 2 – Pilares ESG
E porque as PMEs devem se preocupar com a abordagem ESG? As PMEs são consideradas a espinha dorsal de uma economia, seja quando referenciada em um contexto aleatório ou global. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as PMEs representam mais de 95% das empresas, garantem 60 a 70% dos empregos globais. Outros estudos apontam que as PMEs têm um impacto coletivo significativo no uso de recursos, emissões e cadeias de suprimentos, sendo responsáveis por entre 40% e 50% das emissões de carbono. Juntas, têm uma pegada de carbono cinco vezes maior do que a de grandes corporações. Neste contexto, torna-se evidente que qualquer transformação estrutural associada à sustentabilidade e à responsabilidade empresarial não pode excluir as PMEs. Se apenas as grandes corporações adotarem as práticas ESG, os efeitos positivos no ambiente, na sociedade e na governação empresarial serão limitados, dado o peso das PMEs no tecido económico empresarial dos diversos países. Por outro lado, a inação do ESG por parte das PMEs constitui também uma ameaça direta aos objetivos e metas de sustentabilidade dos grandes grupos empresariais.
Por isso, o esforço conjunto entre gigantes e PMEs exige parceria e colaboração mútua. Os principais benefícios diretos na adoção ESG por parte das PME´s são:
- Integração nas cadeias de suprimentos globais: de acordo com o World Economico Forum, as emissões de ponta a ponta são muito maiores do que as emissões diretas das operações de grandes empresas. Ao envolver fornecedores para criar uma cadeia de suprimentos líquida zero, as empresas podem aumentar seu impacto climático, permitir a redução de emissões em setores difíceis de reduzir e acelerar a ação climática em países onde, de outra forma, essas questões não estariam no topo da agenda. Corporações gigantes como Unilever, Wallmart, que procuram reduzir riscos e assegurar maior compliance, estão cada vez mais estendendo seus requisitos ESG para toda a sua cadeia de suprimentos. As PMEs que não atendem a esses requisitos, geralmente, não terão chances de contratos e oportunidades de negócios nessas empresas.
- Mitigação de riscos e resiliência: como as PMEs tendem a ser mais vulneráveis a riscos associados a questões ambientais e sociais, devido aos seus recursos limitados e à sua capacidade de absorver choques, elas são mais impactadas por eventos que podem interromper suas operações. Implementar ESG permite que as PMEs identifiquem e se preparem para riscos que, poderiam ser negligenciados.
- Acesso a financiamento e investimento: o acesso a financiamento é um desafio crítico para muitas PMEs, que frequentemente enfrentam custos de capital mais alto e condições de empréstimos mais rigorosas, em comparação com empresas maiores. As considerações ESG estão cada vez mais influenciando as decisões do mercado financeiro global. Este vem direcionado cada vez mais capital para negócios sustentáveis. Instituições financeiras e fundos de investimentos tem fornecido crédito e recursos para empresas que adotam práticas e possuem bom desempenho ESG.
- Melhoria na reputação e confiança: Ao mensurar e relatar seu progresso em sustentabilidade, as PMEs buscam construir confiança com as partes interessadas, aprimorar sua gestão de riscos, aumentar a competitividade e a produtividade e alcançar novas oportunidades em um mercado cada vez mais voltado para a sustentabilidade.
- Eficiência interna: A otimização do uso de recursos naturais como água, energia, bem como a redução de resíduos não é apenas uma questão de sustentabilidade, mas de redução de despesas de consumo e custos de descarte.
- Atração e retenção de colaboradores: empresas com práticas responsáveis tendem a atrair colaboradores que valorizam cada vez mais empresas com propósito e alinhadas aos valores éticos.
3. Implicações regulatórias e voluntárias ESG
Embora de maneira distinta, alguns instrumentos têm impulsionado a agenda ESG nas PMEs em Portugal. O primeiro tem um impacto legal e de governação, enquanto os dois seguintes têm funcionado mais como uma pressão de mercado e da cadeia de valor:
- O Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) e o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), regulado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, determinam que organizações privadas e sucursais que atuam em território nacional com sede no estrangeiro que empreguem 50 ou mais trabalhadores devem, dentre outras obrigações: 1- adotar um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas (PPR) 2 – implementar códigos de conduta que inclua políticas anticorrupção, programas de formação e canais de denúncia 3- dispor de canais de denúncia interna e dar seguimento a essas. 4- asseguram a realização de programas de formação interna a todos os seus dirigentes e trabalhadores, com vista a que estes conheçam e compreendam as políticas e procedimentos de prevenção da corrupção e infrações conexas implementados.
- Reporte de informações ESG – embora a maioria das PMEs não esteja diretamente abrangida pela obrigatoriedade de reportar, elas são confrontadas diariamente com pedidos de informação ESG por parte de grandes clientes e instituições financeiras. Os seguintes padrões servem de referência para relatar essas informações ESG por parte das PMEs:
a) A Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade(DIRETIVA (UE) 2022/2464 – Corporate Sustainability Disclosure Directive – CSRD), entrou em vigor a 5 de janeiro de 2023, mas as novas regras começaram a ser aplicáveis a partir do exercício financeiro de 2024, apenas para as empresas cotadas com mais de 500 trabalhadores. As PMEs não são, por enquanto, obrigadas a fornecer informações sobre sustentabilidade ou desempenho ESG. Contudo, a previsão é que a partir de 2027 isso mude, pois, as PMEs cotadas passarão a ser obrigadas, de acordo com a DIRETIVA (UE) 2022/2464, a reportar informações ESG para os exercícios ficais de 2026, com relatórios em 2027. Porém, pode haver adiamentos desses prazos de forma a dar mais tempo a essas PMEs. A Diretiva CSRD abrange a sustentabilidade num sentido amplo e inclui requisitos de divulgação para uma vasta gama de aspetos Ambientais, Sociais e de Governação (ESG). No centro da CSRD estão as Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade (ESRS) composto por 12 normas (standards), conforme mostra a figura 3.
Figura 3 – Os standards das Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade
b) Voluntary Sustainability Reporting Standard for SMEs (VSME) é uma norma europeia voluntária, desenvolvida pelo European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG), para facilitar o relato de sustentabilidade nas PMEs. A norma VSME surge como uma resposta prática e proporcional a esse desafio. Ela oferece uma estrutura clara, assentada nos três critérios Ambiental, Social e de Governanção (ESG), permitindo as PMEs comunicarem seus impactos de forma transparente, sem a complexidade exigida às grandes organizações.
4. Conclusão
O percurso ESG, desde a sua origem até à atual relevância no contexto empresarial, evidencia que esta abordagem deixou de ser uma questão voluntária para se afirmar como uma tendência regulatória que vai além de grandes corporações, mas que já pressionam as PMEs. A inação ao ESG pode representar um alto custo e se tornar uma ameaça à sobrevivência dessas empresas.
Dessa forma, compreender e implementar os pilares ESG revela-se cada vez mais essencial, não apenas por conta dessas pressões regulatórias, mas também em resposta às demandas operacionais de instituições financeiras, fundos de investimentos e cadeias de fornecimento de grandes corporações. As PMEs que se anteciparem e integrarem de forma proativa a agenda ESG, estarão mais bem posicionadas para os desafios futuros. Seus modelos de negócios poderão ser mais sustentáveis, resilientes e alinhados com as expetativas crescentes dos clientes e da sociedade.
Contudo, a abordagem ESG não deve ser adotada apenas como um instrumento de reporte, mas como uma abordagem estratégica e transversal, que integra o desempenho ambiental, social e de governação à criação de valor de longo prazo. Evidências empíricas têm demonstrado que empresas com melhor desempenho em critérios ESG tendem a gerar maior valor para os seus sócios/acionistas, confirmando a relevância deste conceito na integração estratégica das organizações, incluindo as PMEs.
A estratégia de negócios no bloco europeu está sedimentada pela sustentabilidade. Mais do que uma ameaça, ESG é uma oportunidade estratégica para as PMEs se tornarem um elo forte na economia e um motor de competitividade duradouro.
Referências:
Commonwealth, T. (2023). Environmental, Social and Governance Practices for Value Creation in the Commonwealth
Cort, T., & Esty, D. (2020). ESG Standards : Looming Challenges and Pathways Forward. https://doi.org/10.1177/1086026620945342
Du, J. A. (2007). Sustainable development – historical roots of the concept. 3430. https://doi.org/10.1080/15693430600688831
Dyllick, T., & Hockerts, K. (2002). Beyond the business case for corporate sustainability. Business Strategy and the Environment, 11(2), 130–141. https://doi.org/10.1002/bse.323
Eccles, R. G., Lee, L. E., & Stroehle, J. C. (2020). The Social Origins of ESG: An Analysis of Innovest and KLD. Organization and Environment, 33(4), 575–596. https://doi.org/10.1177/1086026619888994
EFRAG. (s.d.). Voluntary reporting standard for SMEs (VSME) — Concluded. EFRAG. Recuperado de https://www.efrag.org/en/projects/voluntary-reporting-standard-for-smes-vsme/concluded
European Comission. (2023, 31 de julho). The Commission adopts the European Sustainability Reporting Standards. Recuperado de https://finance.ec.europa.eu/news/commission-adopts-european-sustainability-reporting-standards-2023-07-31_en
Li, T. T., Wang, K., Sueyoshi, T., & Wang, D. D. (2021). Esg: Research progress and future prospects. In Sustainability (Switzerland) (Vol. 13, Issue 21). MDPI. https://doi.org/10.3390/su132111663
Mitra, J., & Bui, H. T. (2024). ESG and SMEs: The State of Play. International Network for SMEs (INSME). Prieiga per https://www. insme. org/wp-content/uploads/2024/10/ESG-and-SMEs-The-State-of-Play. pdf.
Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), G. (2025). OECD guidance note on fostering convergence in SME sustainability reporting (OECD SME and Entrepreneurship Papers). OECD. https://www.oecd.org/content/dam/oecd/en/publications/reports/2025/06/oecd-guidance-note-on-fostering-convergence-in-sme-sustainability-reporting_b1f6af62/d95a25de-en.pdf
Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). (s.d.). SMEs and entrepreneurship. OECD. https://www.oecd.org/en/topics/smes-and-entrepreneurship.html
Ozkan, S., Romagnoli, S., & Rossi, P. (2023). A novel approach to rating SMEs’ environmental performance: Bridging the ESG gap. Ecological Indicators, 157, 111151.
PwC Portugal. (s.d.). CSRD – Diretiva de reporte corporativo de sustentabilidade. Recuperado em 23 de setembro de 2025, de https://www.pwc.pt/pt/servicos/auditoria/servicos-sustentabilidade/reporting/csrd-diretiva-reporte-corporativo-sustentabilidade.html
Robu, M. (2013). The dynamic and importance of SMEs in economy. The USV annals of economics and public administration, 13(1 (17)), 84-89.
World Economic Forum (WEF), (2023). Supply chain sustainability is key to achieving climate goals: Here’s how organizations can get started. World Economic Forum. https://www.weforum.org/stories/2023/04/why-supply-chain-sustainability-key-to-achieving-climate-goals/
World Economic Forum. (2025). Sustainability meets growth: [subtítulo se existir]. https://reports.weforum.org/docs/WEF_Sustainability_Meets_Growth_2025.pdf
-
Criado por Tsiane Poppe Araújo

