Relatórios ESG e riscos de Greenwashing

Relatórios ESG e riscos de Greenwashing

1. Introdução

Os Relatórios Ambientais, Sociais e de Governança (ESG), ou relatórios de sustentabilidade, tornaram-se, nos últimos anos, um poderoso instrumento estratégico de comunicação. Eles vêm contribuído significativamente para a transparência corporativa e o avanço de divulgações da responsabilidade socioambiental de diversos tipos de organizações. Para além da conformidade legal, muitas empresas decidem divulgar tais narrativas para comunicar sua história, seu desempenho, e progresso de suas atividades ESG.

Ao estruturar informações de sustentabilidade num documento de reporte público, com clareza e qualidade essas empresas acabam atraindo a atenção das partes interessadas relevantes ao seu negócio. Isso abre portas para atrair capital, financiadores, fazer novos investimentos, expandir as operações, fortalecer a reputação, a confiança, e consequentemente, manter a resiliência e continuidade dos seus negócios.

À luz desses fatores, é essencial que as empresas enxerguem seus relatórios ESG, não como uma coleção de dados e informações, mas como um instrumento de gestão dinâmico, que melhora processos, mantém a coerência de propósito, impulsionando sua responsabilização sobre os próprios impactos ESG que relatam.

Embora seja uma poderosa ferramenta de comunicação e gestão, por outro lado, os relatórios ESG trazem consigo o desafio central da qualidade e fiabilidade. Isso porque, a pressão por mostrar resultados “verdes” tem levado algumas empresas a práticas duvidosas, mais especificamente o Greenwashing. Essa tática de divulgação vaga, tem enganado os consumidores com selos falsos e uma imagem de responsabilidade socioambiental que não condiz com as práticas reais das organizações sujeitas ao reporte.

Nesse contexto, inevitavelmente, a elaboração de relatórios (ESG) representa desafios cada vez mais constantes para as organizações. Isso porque, já não é mais suficiente fazê-lo e publicá-lo, mas se ele será um ativo estratégico e com uma narrativa que inspira confiança.

Perante essa realidade como assegurar a qualidade dos relatórios e mitigar a armadilha do Greenwashing?

A seguir são destacados elementos que servem de alerta quanto à maquiagem verde, ilusória e sem base concreta, conhecida como Greenwashing.

2. O risco do Greenwashing

Mercados de consumo, de capitais, de produtos, de serviços e de empresas “verdes” vêm se expandindo e isso, trouxe o fenômeno do Greenwashing. A crescente demanda tem impulsionado as empresas a desenvolver estratégias de marketing para mostrar aos consumidores sua boa imagem corporativa e responsabilidade social.

O termo Greenwashing foi cunhado pela primeira vez em 1986, pelo ambientalista Jay Westervelt. Em sua pesquisa, analisou hotéis que pediam aos hóspedes que reutilizassem toalhas, alegando que a empresa estava buscando uma estratégia de economia de água, sem tomar nenhuma ação com impacto ambiental mais significativo ao mesmo tempo.

De acordo com o Oxford English Dictionary, Greenwashing é uma prática para enganar (o público) ou contrariar (preocupações do público ou da média) ao representar falsamente uma pessoa, empresa, produto, etc., como sendo ambientalmente responsável. É, portanto, uma ação deliberada e uma fraude intencional.

Esse fenômeno pode ser analisado sob várias perspetivas. Abaixo, são citados duas, geralmente mais conhecidas:

  1. Greenwashing nível da empresa: Abrange a disseminação de informações incorretas das operações, atividades, processos, planos, metas, estratégias, dentre outros aspetos do negócio como um todo.
  2. Greenwashing nível do produto/serviço: explora os benefícios ambientais de um produto ou serviço. Pode fornecer informações falsas ou distorcidas sobre as características ambientais de um produto ou serviço específico.

3. Tipos de Greenwashing

Elementos que configuram Greenwashing e que podem estar caracterizados nos relatórios ESG:

  • Dados e informações seletivas ou incorretos: é uma das práticas mais comuns verificadas. Representa um comportamento simultâneo de reter a divulgação de informações negativas relacionadas ao desempenho ambiental da empresa e expor informações positivas do mesmo. Outra derivação é o “efeito halo”, que ocorre quando as partes interessadas tendem a desenvolver uma impressão sobre a organização e seus produtos, com base em alguns atributos positivos, e a empresa generaliza, assim, esse julgamento para outros aspetos da empresa. Pode incluir também a exibição do desempenho de maneira não clara, que deixa dúvida ou interpretações errôneas;
  • Decoupling: A política e o discurso existem, mas na prática tudo é diferente. Ou seja, existe uma lacuna, uma desconexão entre estruturas e atividades: as empresas não possuem meios suficientes para atingir as metas corporativas desejadas. Elas afirmam atender às expectativas das partes interessadas, sem fazer quaisquer mudanças reais nas práticas organizacionais. Por exemplo, a empresa adota uma política de neutralidade de carbono, mas continua expandindo operações intensivas em emissões.
  • Projeções, objetivos e metas futuristas, mas, sem planos claros de execução.
  • Desvio de atenção: foca em ações marginais, por exemplo reciclagem interna, para tirar o foco das emissões ou práticas trabalhistas, que ficaram de fora do relatório. São informações projetadas para desviar a atenção das partes interessadas e assim, ocultar ações comerciais corruptas; podem incluir avaliações inacabadas ou declarações vagas e incorretas;
  • Certificações, rótulos duvidosos e autodeclarações ecológicas. São alternativas usadas pelas organizações para dar aos clientes a impressão de que uma empresa e/ou produto é ecologicamente correto (“100% reciclável”, “biodegradável”, “eco-friendly”, “verde”, “natural”, etc). Passa a imagem de que os produtos e/ou práticas foram legitimados por alguma Organização especialista ou uma Agência Governamental.
  • Superioridade, predominância ou posição de destaque de produtos: a empresa destaca um produto, de forma que ele passe a ser visto como superior ou dominante em relação a outros produtos substitutos e/ou dos seus concorrentes. Ela não especifica os motivos dessa “superioridade implícita”, e nem apresenta informações detalhadas ou certificações confiáveis, concedidas por terceiros.
  • Participação e/ou apoio a programas públicos ineficientes: as empresas se envolvem voluntariamente em programas financiados pelo governo, mas sua participação e contribuição por si só não podem trazer melhorias ambientais. Por exemplo, participação na elaboração de uma Lei voltada para Políticas Energéticas, mas, que posteriormente a organização não cumpre.
  • Participação superficiais em iniciativas voluntárias sem efetividade real: as empresas aderem a programas e iniciativas voluntárias promovidas por associações e/ou Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), melhorando assim, sua imagem como empresa sustentável. Contudo, na prática essas parcerias não trazem resultados algum e nem mudanças reais nas políticas internas organizacionais.

4. Causas do Greenwashing

O Greenwashing surge quando as empresas precisam resolver o dilema entre a crescente importância da conformidade ambiental e seus esforços reais ​​em direção a esse objetivo. Alguns dos seguintes fatores encorajam as empresas a se apresentarem como entidades sustentáveis, apesar de não serem empresas “verdes”:

– Leis e Políticas governamentais insuficientes: nos mercados emergentes, há regulamentações restritas sobre Greenwashing, mas a implementação é incerta. Portanto, as empresas podem usar o Greenwashing se suas operações forem regidas pela maximização do lucro e interesses locais, porque aparentemente os negócios trazem vantagens e benefícios para o país. Assim, é melhor ignorar o fenômeno Greenwashing, pois ele pode comprometer esses interesses.

– Pressão competitiva: essa conduta geralmente permite às instituições se anteciparem aos seus oponentes, para conquistar consumidores e aumentar sua participação de mercado ou até mesmo lutar por sua sobrevivência. As empresas sentem-se compelidas a demonstrar responsabilidade socioambiental, mesmo quando ainda não possuem práticas maduras de sustentabilidade. Isso as leva a substituir a ação concreta pela comunicação enganosa, ou seja, a projetar uma imagem sustentável que não corresponde à realidade operacional

– Oportunidades de mercado identificadas por uma nova demanda que não é suprida por concorrentes, as organizações usam o Greenwashing para atrair consumidores sustentáveis ​​e aumentar positivamente sua reputação e participação no mercado.

5. Como assegurar a qualidade e fiabilidade dos relatórios ESG

Elaborar relatórios de Sustentabilidade ESG exige mais do que recolher e compilar informações. É um processo que envolve vários fatores para assegurar a qualidade e fiabilidade:

a) Compreensão do quadro regulatório atual e emergente em matéria de divulgação de informações sobre sustentabilidade. Envolve identificar os requisitos legais aplicáveis ao negócio, em âmbito mais amplo (por ex. o bloco europeu) e também no contexto nacional. Dentre as Diretivas e Regulamentos, no âmbito europeu, são: a Diretiva UE 2022/2464) de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (conhecida pela sigla CSRD), o Regulamento UE 2019/2088 de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR), o Regulamento UE 2020/852, relativo à Taxonomia Ambiental, a Diretiva 2025/794 sobre o Dever de Diligência na Governação das Empresas. É essencial assegurar que a organização atende a tais regulamentações e que o relatório cobre todas as informações necessárias exigidas.

b) Aderência a padrões reconhecidos de reporte: diversos organismos têm trabalhado para desenvolver uma linguagem comum e assim orientar as empresas sobre como estruturar seus relatórios de sustentabilidade, tornando mais legítimo e comparável. Uma das principais razões para a adoção de padrões globais de sustentabilidade é elevar as práticas de divulgação não financeira a um nível equivalente ao dos relatórios financeiros, que possui uma representação fidedigna, relevante, comparável, compreensível e verificável. Dentre os padrões mais amplamente adotados destacam-se:

  • Global Reporting Initiative (GRI): o padrão mais usado globalmente;
  • Sustainability Accounting Standards Board (SASB) (agora integrado ao ISSB);
  • International Sustainability Standards Board (ISSB): compreende dois padrões: o IFRS S1 (sustentabilidade geral) e o IFRS S2 (clima). Integra recomendações do TCFD e métricas do SASB;
  • Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD): focada na divulgação de informações sobre os riscos e oportunidades relacionados ao clima (governança, estratégia, gestão de riscos, métricas);
  • Voluntary Sustainability Reporting Standard for SMEs (VSME): é um padrão desenvolvido especificamente para pequenas e médias empresas (PMEs), com o intuito de simplificar o processo de reporte e torná-lo acessível a empresas com menos recursos.

c) Transparência na materialidade: a avaliação da materialidade identifica quais impactos são significativos para uma organização, tanto interna quanto externamente. A maioria dos requisitos de relatório e divulgação espera que uma organização determine o que importa de forma consistente e transparente e, em seguida, aja proporcionalmente. Empresas que falham nesse processo comprometem não apenas sua imagem, mas também sua relação com investidores e reguladores. Por isso, não se deve tentar cobrir tudo. É importante focar nos indicadores mais importantes para o setor em que a organização atua e ao seu modelo de negócio.

d) Adoção da Dupla materialidade: a materialidade é o processo de reportar aquilo que realmente impacta os negócios e os stakeholders, e não apenas o que é conveniente mostrar. Envolve também determinar em que medida um determinado assunto deve ser divulgado. Adotar essa prática evita relatórios excessivamente longos e irrelevantes. Contudo, uma boa prática implica mostrar informações materiais de sustentabilidade sob duas perspetivas: de dentro para fora (da sociedade ou perspetiva de impacto) ou de fora para dentro (do investidor ou perspetiva financeira). Isso é denominado Dupla materialidade (financeira e de impacto). De acordo com o GRI, a dupla materialidade deve avaliar a interconexão entre as duas seguintes perspetivas:

    • 1) a extensão necessária para a compreensão do desenvolvimento, desempenho e posicionamento da empresa e no sentido amplo de afetar o seu valor;
    • 2) o impacto ambiental e social das atividades da empresa em uma ampla gama de partes interessadas.

Figura 1 – Matriz de Materialidade GRI

Fonte: Adaptado de Cooper, S., & Michelon, G. (2022)

a) Coerência entre discurso e prática: promessas de carbono neutro, por exemplo, devem estar acompanhadas de metas e planos verificáveis.

b) Apresentação de Dados consistentes, verificáveis e auditáveis, com metodologias claras e dados quantificáveis (por exemplo, kWh economizados, $\%$ emissões, etc) em detrimento de afirmações genéricas.

c) Participação e o sentimento de pertencimento dos colaboradores: o relatório deve focar não apenas o público externo e investidores, mas também a experiência e o compromisso de quem constrói diariamente a organização. Quando o colaborador se reconhece no relatório, ao perceber que suas ações, valores e desafios estão representados, cria-se um vínculo autêntico entre a narrativa corporativa e a realidade. No entanto, muitas empresas falham nesse aspeto, ao não promoverem sequer o conhecimento ou a apresentação do relatório internamente. Idealmente, a conclusão do processo de reporte deveria envolver uma entrega simbólica, acompanhada de um evento institucional que reconheça o esforço coletivo e fortaleça a cultura organizacional em torno da sustentabilidade.

d) Narrativa alinhada à Estratégia e com visão de futuro (metas): os dados podem ser apresentados a partir de uma história de metas e progresso. A organização pode explicar porque escolheu determinadas métricas e como elas contribuem para os seus objetivos de longo prazo e sua estratégia. Não é sobre apenas reportar o que aconteceu. O mercado compra a jornada, não só o ponto de partida.

e) Frequência e rigor nos prazos de publicação: é recomendável que as organizações publiquem seus relatórios de sustentabilidade com uma frequência regular e previsível, preferencialmente anual. Dessa forma, assegura-se a continuidade das informações e a possibilidade de comparação entre períodos. A pontualidade e o rigor no cumprimento dos prazos fortalecem a credibilidade da comunicação corporativa e demonstram o comprometimento da empresa com a transparência e a prestação de contas (accountability). A ausência de regularidade ou atrasos injustificados pode comprometer a confiança dos stakeholders e reduzir a utilidade do relatório.

6. Considerações Finais

A elaboração de relatórios ESG é uma prática fundamental da conduta sustentável. Ela permite que as partes interessadas, tanto internas quanto externas, compreendam a abordagem e o nível de maturidade da organização em relação aos fatores Ambientais, Sociais e Governação, seu desempenho em relação a esses fatores e suas alegações.

As informações e dados divulgados, tal como ocorre com os relatórios financeiros, devem fornecer uma representação fiável, precisa, compreensível e verdadeira dos impactos, riscos e oportunidades identificados como materialmente relevantes. Informações fiáveis ​​e fidedignas são essenciais para a credibilidade e resultam na capacidade de construir confiança de investidores e outras partes interessadas.

Quanto maior uma empresa se torna, mais efeitos positivos e negativos ela gera, mais ela se manifesta aos olhos do público e mais se vê obrigada a justificar sua presença na sociedade. Contudo, mais do que elaborar e divulgar relatórios, é fundamental agir com coerência, responsabilidade e ética, assegurando que as informações refletidas correspondam à realidade. A qualidade de um relatório ESG reflete o carácter da organização: comunicar com verdade é o primeiro passo para transformar promessas em práticas e evitar o fenômeno falacioso do Greenwashing.

7. Referências

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Daub, C. H. (2007). Assessing the quality of sustainability reporting: an alternative methodological approach. Journal of cleaner production15(1), 75-85.

de Freitas Netto, S. V., Sobral, M. F. F., Ribeiro, A. R. B., & Soares, G. R. D. L. (2020). Concepts and forms of greenwashing: A systematic review. Environmental Sciences Europe32(1), 19.

Dyczkowska, J., & Szalacha, P. (2025). Double materiality concept in practice: impact in a construction company. Management Decision.

International Organization for Standardization. (2024, novembro). IWA 48:2024 – Framework for implementing environmental, social and governance (ESG) principles. Recuperado de https://www.iso.org/standard/89240.html

Luque-Vílchez, M., Cordazzo, M., Rimmel, G., & Tilt, C. A. (2023). Key aspects of sustainability reporting quality and the future of GRI. Sustainability Accounting, Management and Policy Journal14(4), 637-659.

Romero, S., Ruiz, S., & Fernandez‐Feijoo, B. (2019). Sustainability reporting and stakeholder engagement in Spain: Different instruments, different quality. Business strategy and the Environment28(1), 221-232.

Siano, A., Vollero, A., Conte, F., & Amabile, S. (2017). “More than words”: Expanding the taxonomy of greenwashing after the Volkswagen scandal. Journal of business research71, 27-37.

Yang, Z., Huong, N. T. T., Nam, N. H., Nga, N. T. T., & Thanh, C. T. (2020). Greenwashing behaviours: Causes, taxonomy and consequences based on a systematic literature review. Journal of Business Economics and Management (JBEM)21(5), 1486-1507.

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